O projeto Orientalismo nasceu sob o influxo direto da leitura de ‘Orientalismo, a invenção do oriente pelo ocidente,’ de Edward Said, desde 1998. Nesse livro poderoso e esclarecedor, Said, delineava a ideia do ‘orientalismo’ como um movimento artístico, intelectual e político que condensava as seguintes estratégicas epistêmicas:
- Construção do ‘outro oriental’ a partir de critérios geográficos e culturais móveis e não necessariamente precisos, que o ressignificam como um personagem antitético a noção de ‘ocidente’.
- Homogenização do outro ‘oriental’ em seus caracteres étnicos.
- Estereotipização do outro ‘oriental’ em seus caracteres identitários.
- Hierarquização cultural do outro ‘oriental’ como inferior em um sistema eurocentrado de conhecimento e poder.
A análise de
Said ainda segue necessária e precisa em muitos aspectos, apesar das críticas e
alguns equívocos cometidos pelo autor. Nesse sentido, o projeto se propôs a
redimensionar o problema do Orientalismo para as civilizações asiáticas, com
destaque para China e Índia. Embora elas não tenham sido examinadas por Said,
isso não significa, de forma alguma, que a leitura orientalista não tenha sido
largamente empregada no processo de construção de conhecimento de ambas as
culturas.
Simon
Leys criticou duramente a abordagem saidiana, pretendendo que a Sinologia
teria nascido como um campo de estudo diretamente conectado com o seu objeto de
estudo, isto é, a própria China. Essa é a mesma linha de raciocínio de Robert
Irwin, outro crítico saidiano, para quem o conhecimento sobre os povos ‘orientais’
teria surgido aos poucos, como um movimento acadêmico envolvido no processo de
expansão colonial. Nesse sentido, tanto Leys quanto Irwin foram obrigados a
reconhecer que o Orientalismo surge como expressão da agenda colonial e
imperialista do século 19; por outro lado, propuseram que o sistema científico
ocidental é baseado em um critério de razão, e tem como lócus o próprio
pensamento eurocentrado, no que então não poderia ser acusado de propor ou
defender deformações no entendimento das culturas asiáticas, mas que sua grade
de leitura parte da própria perspectiva dos seus autores.
Apesar de
essas críticas serem até certo ponto coerentes, elas negam o silenciamento
imposto às sociedades asiáticas, bem como a recusa acadêmica de abrir espaços
para o estudo das mesmas. A criação dos estudos de área no período após a
segunda guerra mundial respondeu a uma nova dimensão estratégica para a
investigação política, cultural, econômica dos povos asiáticos, mas continua a
servir, de certa forma, ao paradigma autocentrado de uma episteme ocidental e
de projetos governamentais nacionais. Assim, o campo das ciências sociais e humanas continua profundamente contaminado pelas práticas orientalistas, reproduzindo continuamente mecanismos de exclusão cultural e xenofobia, como por exemplo na disseminação das teorias do 'perigo amarelo'.
Por essa
razão, o projeto Orientalismo adotou, como procedimento teórico-metodológico, o
uso de autores que possam proporcionar visões alternativas e descolonizadas,
respeitando o guia proposto originalmente por Said. Isso implica em privilegiar
alguns textos fundamentais, que nos proporcionam leituras mais amplas sobre
essas culturas, e nos permitem um diálogo mais profundo e sensível.
Temos como
base estruturante ‘O fim
das descobertas imperiais’, de Boaventura de Sousa Santos, que nos informa
do papel do ‘oriente’ como uma das últimas fronteiras epistêmicas da construção
de conhecimento; ‘Religión,
Filosofía y Cultura’ de Raimon Panikkar, que estabelece a base para a
leitura de símbolos e ideias em um processo de diálogo intercultural; ‘Pensar
a partir de um fora’, de François Jullien, que sintetiza um processo de
busca de conhecimento na China e sua tradução/transcriação para o público
ocidental; e as implicações das relações entre Sinologia e Orientalismo foram
abordadas na obra ‘Sinologia
Hoje’, nos quais os artigos de B. Schachter, A. Bueno, D. Vukovich e Ming
Gongdu explanam sobre as interfaces e problemas dessas leituras. Cumpre ainda
lembrar os artigos ‘Caminhos
para uma Sinologia brasileiras’ e ‘Chinese
Studies in Brazil’ de A. Bueno, sobre as principais linhas teóricas atuais
sobre estudos chineses em nosso país.
No caso
específico da Índia, o texto ‘Índia, uma
história crítica’ de Carlos Alberto da Fonseca segue como referência para
compreensão das distorções historiográficas impostas a essa civilização; mais
recentemente, dois textos retomaram essa discussão, ensejando sua inserção em
nosso corpo teórico: ‘A
Pós-colonialidade e o artifício da história: quem fala em nome dos passados
“indianos”?’, de Dipesh Chakrabart e ‘O
imperialismo da história: reflexões sobre os limites do discurso histórico na
historiografia indiana’ de Paula Carvalho.
Os pressupostos para difusão de informação em meio eletrônico, baseados em uma metodologia de formação de rede que pretenda constituir comunidades de pesquisa especializada, acompanham as ideias de Pierre Levy, cujo ensaio 'Os intelectuais e a rede mundial de saber' sintetiza os princípios básicos dessa proposta.